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Ángel. A raiz galega de Fidel
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Ángel. A raiz galega de Fidel

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About this ebook

Ángel, a raiz galega de Fidel é uma história inspirada na vida do pai de Fidel e Raúl Castro Ruz. Ángel Castro Argiz foi um dos tantos galegos que deixou atrás a Galícia profunda para tentar a sorte além-mar. O livro contém uma interessante mostra documental e fotográfica, que completam o relatado nestas páginas, onde a imaginação traça origens, rostos longínquos no tempo, travessias, contendas e correntes de água. Em seu caminho, Ángel nunca imaginou que de sua própria casa sairia a energia para mudar a sorte de Cuba, a ilha que sempre marcou o seu destino.
LanguageGàidhlig
PublisherRUTH
Release dateJun 15, 2016
ISBN9789962703068
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    Ángel. A raiz galega de Fidel - Katiuska Blanco Castiñeira

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    Título original: Ángel, la raíz gallega de Fidel

    Edição: Ana Molina González

    Ilustração de capa: Ronny Fernández Solís

     ISBN: 978-9962-703-06-8

    © Katiuska Blanco, 2012

    © Sobre esta edição: Ruth Casa Editorial 2015

    É expressamente proibida a reprodução parcial ou total deste livro por qualquer meio ou procedimento, compreendidos a reprografia e o tratamento informático, bem como a distribuição de exemplares mediante aluguel ou empréstimo público, sem o consentimento prévio por escrito dos titulares do Copyright.

    Distribuidor para esta edição:

    EDHASA

    Ave. Diagonal, 519-52 08029  Barcelona. Fone: 93 494 97 20 Espanha

    Email: info@edhasa.es

    Em nosso site http://www.edhasa.es você encontrará o catálogo completo de Edhasa comentado

    RUTH CASA EDITORIAL

    Calle 38 e Ave. Cuba, Edificio Los Cristales, oficina n. 6 Apartado 2235, zona 9ª Panamá

    rce@ruthcasaeditorial.org

    www.ruthcasaeditorial.org

    www.ruthtienda.com

    A versão brasileira desta obra foi realizada graças à desinteressada contribuição de:

    Valdemir Medeiros

    Ivan Sobral

    María Valdete

    Bira do sindicato

    Sindicalistas Ligados a Central Única dos Trabajahadores CUT/Ba/Brasil

    Elisio Santana

    Ruth Casa Editorial.

    À raiz galega na alma de Cuba

    A meu avô,

    Manuel Castiñeira Fernández

    Agradecimentos

    Este volume recebe por herança o trabalho de pesquisa, escritura e edição realizado para o livro Todo el tiempo de los cedros e, por essa razão, o esforço dos que participaram naquela ocasião do sonho também está presente nestas páginas.

    Um abraço para a Casa Editora Abril e para a Oficina de Assuntos Históricos (OAH), à Equipe de Versões Taquigráficas, à Direção de Informática, ao Grupo Criativo, à Secretaria do Conselho de Estado, e às gráficas  Alejo Carpentier e Federico Engels, que permitiram apalpar este livro em rosto, corpo e estampas de papel.

    À missão diplomática cubana em Madri, aos que facilitaram as buscas e as entrevistas feitas durante a visita da autora e de Asunción Pelletier – especialista da OAH – à Espanha, de 28 de maio a 11 de junho de 2007. Em Madri, especialmente ao embaixador Alberto Velazco San José, María del Pilar Fernández e Rubén Abelenda. E no Consulado de Santiago de Compostela, ao cônsul Alejandro Fuentes e aos fraternos Mariam Arestuche, Luis García, Coral Prieto e María Sánchez (anterior cônsul nessa cidade).

    Tenho alta consideração pelas referências que ofereceram o pesquisador galego Javier Cordero Aparício – que conhecemos através de outro galego amigo de Cuba, Antón Alonso –; o médico José Eladio Fernández Alfonso em Vigo; e o pesquisador Luis López Pombo, em Lugo.

    Estimo muito a hospitalidade de Carlos López Sierra, vereador de Láncara, e de todos que lá ofereceram sua colaboração: Eladio Capón López, Victoria López Castro e Manuela Argiz, entre outros.

    Agradeço especialmente a Tania Fraga Castro, neta de Dom Ángel, que, em maio de 2007, entregou ao Gabinete de Assuntos Históricos do Conselho de Estado uma fotocópia do registro do Corpo de Sanidade Militar, de Dom Ángel Castro Argiz no tempo em que prestou serviço militar como soldado na ilha de Cuba, o que permitiu comprovar a concordância de seu itinerário com o registrado no Histórico do Regimento Isabel II Nº 32 Arquivo 4.

    A minha gratidão ao Arquivo do Serviço Histórico Militar em Madri do Instituto de História e Cultura Militar do Ministério da Defesa na Espanha e, especificamente, a María de Jesús Franco Durán, técnica; e ao funcionário Luis Mateo González, pelo rigor, a presteza e a delicadeza com que orientaram as indagações.

    Agradeço a boa disposição dos arquivistas do Arquivo Diocesano do Bispado de Lugo e da igreja paroquial de San Pedro de Láncara, e a dos especialistas do Arquivo Histórico Provincial de Lugo.

    Como sempre, meu muito obrigado aos seres queridos e meus filhos, que me alentam e apoiam no estudo e em cada lauda que escrevo.

    Finalmente, a autora corresponde com um abraço fraterno o nobre empenho de Alba Orta Pérez, que, calada e eficaz, colaborou nas pesquisas, contribuiu com sugestões, revisou todo o material e o submeteu à vista aguda da editora Lilian Sabina, ao domínio técnico de Enrique D. Medero e à imaginação do designer Ernesto Niebla, que se dedicaram ao trabalho com paixão.

    Resfriados

    A terra cheirava a musgo, à chuva de inverno. Sobre as urzes emaranhadas, as florzinhas de jara¹ e as folhas mortas espargidas ao pé dos carvalhos, pinheiros e castanheiros, o menino deslizou de nádegas até o rio. No declive do terreno sempre era sombra. O bosque denso permanecia solitário ao entardecer. Ergueu-se e tirou a camisa, a calça de lã e os folgados calções de lenço branco. Depois, atirou perto as alpargatas que se ajustavam com fitas e entrou n’água. Com algumas braçadas alcançou a outra margem, porquanto o Neira se estreitava naquela curva, ao despenhar–se por uma cavidade repentina. Deixava o silêncio e a torrente cair sobre seu corpo; aliviavam seu cansaço. Perdia a noção do tempo enquanto olhava para cima, entre os galhos da árvore, por onde a claridade passava furtivamente e as nuvens se entrançavam, passavam, voavam, esvaiam.

    Ansiava essa paz fresquinha, muda e serena. Ah! Se sua mãe, dona Antonia, o visse assim daria uma bronca tremenda nele:

    —Mal se despede o inverno e já estás tomando banho na corrente? Não vês, meu filho, que podes apanhar um resfriado ou uma tuberculose, Angelito? Louvado seja Deus e livre–nos dessa desgraça – diria entre a raiva e a aflição, erguendo os braços para rogar que a predição não se cumprisse.

    —Não, ela ainda notou a minha falta – disse a si mesmo.

    Ele sabia que se demorasse até o anoitecer se inquietaria. Imaginou, então, sua mãe junto ao fogo, abanando a lenha e preparando o cozimento com que se aqueciam no jantar, trabalhando com o velho fuso e a roca quase em frangalhos para fiar lã e linho, tecidos utilizados depois para coser as colchas rematadas com pontas bordadas. Ela também passava horas a fio branqueando a roupa com água de cinzas. Sempre fazia isso no tronco do castanheiro esburacado. As telas mais apreciadas eram as de Padrón, e as rendas, as fabricadas nas imediações de Costa de la Muerte, em A Coruña. Os viajantes traziam a mercadoria pelos caminhos de Santiago aos estabelecimentos improvisados nas aldeias, às vendas, às romarias e às feiras no mercado.

    Antonia era fornida e boa, com uma estampa imponente e uma saúde aparentemente à prova de tristezas. Ela foi obrigada a trabalhar como ama-de-leite em Madri após o nascimento de um de seus filhos. Os tempos eram muito difíceis, ela mal podia suportar o sacrifício de ir longe, onde as moças robustas eram vistas ideais por pascer o capim do oeste da Península, e isto queria dizer que aleitariam proveitosamente uma criança. A verdade: eram tratadas como animais. Lá, onde eram naturais e sensíveis, foram consideravam rústicas ou indiferentes.

    Ela, todavia, não teve tanta má sorte. Os que a contrataram, sempre foram generosos e agradecidos. Mesmo assim, vestida com as galas de quem trabalha para família rica, em um daguerreótipo de estúdio, seu rosto tinha uma expressão adusta e lânguida, como se suportasse a duras penas o sofrimento de um ofício doloroso e, ademais, mal visto. Na imagem, apoiava o antebraço em um sólido atril de madeira trabalhada em relevo, sobre o qual se derramavam rosas de um vaso decorado com florestas, um costume imposto aos retratados pelos artistas perdidos atrás do fole da caixa escura e a fumaça de uma súbita iluminação assustadiça.

    Antonia vestia um traje escuro de gola alta e mangas compridas, enfeitado com rendas, laços e babados. Em uma mão segurava um lenço, e na outra, uma sombrinha. O cabelo preso em coque no alto da cabeça e algumas mechas caindo sobre a testa denotavam que cuidava de sua aparência com esmero; os brincos longos davam um leve detalhe de faceirice, mas apesar de todos esses primores e o donaire da estampa, ela se via triste e séria no daguerreótipo.

    Antonia sentia profundamente e como própria a humilhação vivida pelas moças reunidas na Plaza de Santa Cruz, na capital vozeando a abundância leiteira de seus peitos até conseguir um bom postor. Os olhares de esguelha que as seguiam mal continham desprezo e zombaria, sem compreender quão desesperada teria sido sua necessidade, a ponto de levar as aldeãs ao centro do mercado mais triste, longe de seus filhos recém-nascidos anjinhos de Deus!, da simplicidade dos dias provincianos, envoltas na roda-viva ruidosa e inclemente.

    Antonia tinha vergonha dos ditados com aleluias, aquelas folhas de papel onde apareciam vinhetas quadradas em oito filas, com gravuras e textos para relatar histórias cotidianas. Que sufoco indignado o seu sabendo que a gente pregoava: Por ouro tudo se faria/ se dá o próprio sangue /que uma ama-de-leite o diga. Alguém lhe mostrou a folha, mas ela não saberia dizer quem, naquele instante sua vista se nublou entre o pranto e a coragem enquanto o mensageiro lia sem desgrudar os olhos daquele papelzinho endiabrado. Unicamente a consolava a certeza de que existiam almas caritativas que reconheciam nelas a honradez, a humildade e seu temor a Deus. Ademais, aliviava-a que havia muitas famílias galegas que pensavam assim. Após essa experiência, era natural que fosse amorosa com seus filhos, muito mais que as que nunca tinham vivido entre a laceração e o trabalho. Morria pelas crianças de seu coração, em um afã desmesurado de aconchegá-las ao peito. Agasalhava-as, fazia sua vontade, beijava e acariciava-as com muita ternura. Era severa consiga mesma e chorava e suspirava sem consolo às vezes até dormindo.

    Tempos depois, quando Antonia já tinha suportado a dor de perder sua pequena filha de dois anos e meio: María Antonia Dominga, alguém asseverou que o sofrimento consumira não só a alma, mas também sua força física. María Antonia, sua primeira filhinha, nasceu no regozijo cálido e colorido da primavera, às seis da tarde de 18 de maio de 1874, e foi-se embora como uma desoladora ventania em dezembro de 1876. Era a primeira adversidade do jovem casal que fora unido em matrimônio por dom Ramón López Neira, padre da única igreja paroquial de San Pedro de Láncara, onde se realizou a cerimônia de casamento após terem aprovado o exame da Doutrina Cristã, segundo ordenamento da Santa Madre Igreja no Santo Concílio de Trento e, por sua vez, o consentimento e conselho requeridos pela Lei vigorante.

    O casamento aconteceu no verão de 1873, aos dezesseis dias do mês de agosto; Manuel de Castro Núñez tinha 24 anos e a moça escolhida, 18. Aquela manhã, os sinos nas duas torres altas da igreja tangeram quebrando o silencio da casa paroquial contígua e a paz dos sepulcros próximos. O padre, com os óculos que escorregavam até a ponta do nariz, secando com um lenço de seda o suor na sacristia abafada, cumpriu todos os sacramentos de rigor e deu sua benção – e por seu intermédio a de Deus – à união de Manuel e Antonia. Ela levava no cabelo uma grinalda de flores silvestres que tinham sido apanhadas na orla do Neira, e sua pele, saudável, mas pálida, parecia a de uma senhorita que tinha crescido à sombra dos recolhimentos e dos altos e úmidos portões: resguardo dos interiores de Santiago de Compostela, labiríntica e sedutora cidade onde proliferavam as beatices desde tempos imemoriais, a paixão pelo Apóstolo, o musgo das sombras frias e as discussões políticas.

    —Envelheceu cedo – asseveravam as vizinhas ao falarem de Antonia.

    Angelito não percebia essa languidez de espírito, e menos seu cansaço quando passava os dias de um afazer a outro. Notava seu desvelo por eles e a ânsia de Antonia de buscar amparo nos braços de seu marido Manuel quando se sentia abatida. É, a tinha visto refugiar-se em seu pai; colocar a cabeça no seu peito por um bom tempo e em silêncio, ou conversar com ele sobre os temas quase sempre imprevistos da agricultura: questões de temporadas, luas, sementes e chuvas. Angelito não conseguia entender suas conversas. Seus pais tinham crescido entre gente de campo sábia em fecundar a terra. Nesse trabalho depositavam todas suas esperanças de prosperidade. Com as colheitas podiam manter a casa, alimentar os filhos e pagar os aluguéis. Ela dedicava tempo às oliveiras, vinhedos e macieiras. Antes de se dissiparem as sombras da noite já estava podando e removendo as raízes. Punha os olhos nas plantações de legumes e batata com o desejo de que a colheita fosse boa para desfrutá-los nas refeições. Sem dúvida, era costume familiar ancestral buscar, com as próprias mãos, a comida que se colocava na mesa cada dia. Todos davam de comer aos animais sem resmungos, qualquer um de seus filhos cumpria essa tarefa com esmero, até a caçula, apelidada de foguete porque era infatigável, dada a escapulir, se divertia jogando grãos de milho às galinhas e às pombas.

    Angelito não conseguia se lembrar da morte de sua irmã María Antonia Dominga em 1876. Ele tinha apenas um ano de idade. Tinha nascido na noite de 4 a 5 de dezembro de 1875, um dia úmido e frio. Em troca, recordava o nascimento de seu irmão Gonzalo Pedro. Ele estava a ponto de completar seis anos. Aquele dia 21 de outubro de 1881 foi tremendo, vivido em sobressalto até as nove da noite, quando se escutou o choro do menino no quarto contíguo ao principal, onde, junto à lareira, o pai de um só gole esvaziou um cálice de vinho e deu graças ao Senhor porque tudo tivesse terminado felizmente. Celebrou na companhia do sacristão da paróquia, um político do vilarejo e o padrinho. Angelito pensava nisso e sentia muito alegria, mas também um pulo na boca do estomago.

    Recordou o tamborilar dos granizos no teto da casa, essa mesma madrugada. Ao amanhecer, o dia mal se vislumbrava em um céu murcho, um véu cinza afastou a sorte de uma manhãzinha de sol.

    —Diabos! Como demoram os outros! – praguejou.

    Rogava porque os primos Ramón e Manuel Argiz chegassem a tempo, para juntos correrem até o fundo lamacento do leito do rio, pular n’água, mergulhar, comprovar quem podia aguentar mais debaixo d’água sem respirar, quem conseguia pescar uma truta, caçar pássaros ou pegar bichinhos dentre as folhas secas do bosque, pendurar-se nas raízes e galhos das frondosas nogueiras… e tudo isso antes do escurecer; não se esqueciam das advertências dos mais velhos, pronunciadas em volta das lareiras nas noites frias: na penumbra, os lobos podiam descer à aguada e atacar suas vítimas, ou pelo menos enfeitiçá-las com seus olhos de brasas ardentes, durante uns oito dias, ao cabo dos quais voltariam a si de um longo sono parecido – segundo contavam – ao provocado pelas serpentes nas selvas da Índia.

    Um ventinho cinza frisou as águas, removeu a folhagem, agitou as urzes e percorreu sua espinha dorsal.

    —Se tardarem demais, terei de ir-me embora – lamentou. —Será possível? Demorará tanto aparelhar as vacas ou segar o feno? Maldita vida a nossa! – resmungou.

    Os primos Argiz não moravam longe de sua casa. Para visitá-los, atravessava o pequeno celeiro no fundo da casa e tomava o trilho que passava à beira do casarão dos López, compadres de dom Manuel, seu pai. Subindo uns oitocentos metros, à direita, ficavam as casas da Piqueyra, de grossos muros e frontão com a inscrição do nome Pedro Argiz, o avô, e uma cruz, como de igreja, talhada na pedra, debaixo da aba da entrada, perdido às vezes atrás de uma pilha de lenha que se ajuntou em previsão dos dias de intenso frio. A casa dos avôs maternos tinha um porte senhorial, se bem que não alcançava os dois andares como tantas outras no vale de Láncara. Sua mãe tinha nascido lá, no ano de 1855, que já parecia longínquo. Em La Piqueyra viviam o tio Félix José e sua mulher Josefa Huerta, e os primos. Os tios Manuel Antonio e Antonio não estavam ou tinham ido como os avôs Pedro Argiz e Dominga Fernández ao insondável território da morte. Quando ele nasceu, os avôs ainda viviam, mas pouco depois

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