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Mateus Pinho Gwenjere Um Padre Revolucionário
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Mateus Pinho Gwenjere Um Padre Revolucionário

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O livro “Mateus Pinho Gwenjere: Um Padre Revolucionário” retrata a história da vida de um padre moçambicano que se juntou ao movimento de libertação, FRELIMO, na Tanzânia em 1967. Confrontado com a realidade no movimento, em pouco tempo colidiu com a direcção da FRELIMO. Logo após a independência em 1975, foi sequestrado de Nairobi, Quénia, onde vivia exilado, e sumariamente executado pelo governo da FRELIMO.

O livro destaca os pensamentos religiosos do Padre Gwenjere bem como as suas actividades sociais e políticas. Segundo ele, a Igreja Católica em Moçambique estava dividida em duas Igrejas durante o período colonial: a “Igreja Salazarista”de Dom Teodósio Clemente de Gouveia, que defendia os interesses do regime colonial português, e a “Igreja Profética” de Dom Sebastião Soares de Resende, que defendia o direito do povo moçambicano à autodeterminação. “A Igreja não pode ter apenas preocupações místicas. Deve também preocupar-se com as questões sociais ... Os missionários portugueses estão a prejudicar o Cristianismo ao não cumprirem a missão que lhes foi confiada pela Igreja”, disse o Padre Gwenjere à sua audiência nas Nações Unidas, em Nova Iorque, em 1967.

Ele estava envolvido na luta pela independência assim que foi ordenado ao sacerdócio, defendendo os direitos das pessoas, a sua cultura e a sua língua; mobilizando pessoas para a desobediência civil; exortando as pessoas a se recusarem a cultivar o algodão e a serem removidas à força das suas terras de origem; e enviando jovens moçambicanos para a Tanzânia para se juntarem à FRELIMO.

O livro é um apelo para o sarar de feridas e para uma genuína reconciliação entre os moçambicanos, o que necessariamente requer que o governo da FRELIMO revele onde o Padre Gwenjere foi enterrado, assim como onde foram enterrados outros líderes nacionalistas, incluindo Reverendo Uria Simango, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Lázaro Nkavandame, e Dra. Joana Simeão, para que possam receber dos seus familiares um enterro condigno.

Fotos da capa: Padre Mateus Pinho Gwenjere; Padre Charles Pollet visitando aldeias, levando consigo a sua cama de campanha e altar portátil; e guerrilheiros da FRELIMO num comício.

LanguageEnglish
PublisherLawe Laweki
Release dateJul 24, 2019
ISBN9780463679562
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    Book preview

    Mateus Pinho Gwenjere Um Padre Revolucionário - Lawe Laweki

    Biografia

    Depois dos seus primeiros estudos no Seminário de Zóbuè, em Moçambique; no Instituto Moçambicano na Tanzânia, na Escola Secundária de St. Teresa’s Boys School em Nairobi; bem como na Shimo-la-Tewa High School em Mombasa, Quénia, Lawe Laweki, mais conhecido como João Baptista Truzão, foi para a Índia, onde se graduou em Economia pela Universidade de Poona, em 1977.

    Ao regressar da Índia, trabalhou brevemente como Professor na escola secundária da Central School em Nairobi, tendo trabalhado depois para a BBC Monitoring Unit em Nairobi, Quénia. Em 1983, partiu para Mbabane, Suazilândia(Eswatini), onde trabalhou para a Embaixada Americana de 1983 a 1998. É mestre em Estudos de Desenvolvimento pela University of South Africa (UNISA). Regressou ao seu país natal, Moçambique, em 1999. Em Moçambique, escreveu vários artigos económicos, políticos e imobiliários que apareceram nos jornais Zambeze e Canal de Moçambique, bem como no blogue Moçambique para Todos.

    Agradecimentos

    Fiquei impressionado com o apoio que recebi de vários sectores quando comecei a escrever este livro. Estou particularmente grato a três homens de Deus: O Padre Frank Nolan que me apresentou ao Dr. Josef Pampalk que, por sua vez, me apresentou ao Padre Michael Lapsley.

    O Padre Nolan incentivou-me continuamente a não desistir. Forneceu-me fotografias dos Missionários da África (os Padres Brancos) em Moçambique e leu parte do meu manuscrito, dando-me dicas. Quero agradecer aqui aos Missionários da África em Londres por terem encaminhado a minha carta para o Padre Nolan quando pedi que me fornecessem fotografias dos Padres Brancos em Moçambique.

    Através do Padre Frank Nolan, conheci o Dr. Josef Pampalk que era missionário da África no centro de Moçambique. O Dr. Pampalk tem actuado como meu professor e mentor, proporcionando-me muita inspiração e constantemente incentivando-me a moderar a minha linguagem. A maioria das fotografias que enriqueceram este livro foram fornecidas por ele.

    O Padre Lapsley é um padre anglicano sul-africano que perdeu as duas mãos e a visão do seu olho esquerdo quando o regime de apartheid lhe enviou uma carta-bomba em 1990, enquanto vivia no Zimbabué. Fiquei particularmente comovido com a sua vontade de partilhar o seu testemunho com o povo moçambicano, apesar de não ter mãos para escrever. Conforme correctamente observou o Dr. Pampalk, o seu testemunho neste livro, fornece-nos experiências que são relevantes para nós hoje.

    Quero igualmente agradecer a outros homens de Deus que apoiaram o meu projecto: ao Padre Fernando Pérez Prieto e à Irmã Helena Maria Soares, que forneceram os seus testemunhos neste livro, bem como ao Padre Fidel Salazar pelo seu esforço de coordenação para tornar conhecida a existência do meu manuscrito aos outros clérigos.

    Os meus agradecimentos especiais vão para o Dr. António Disse Zengazenga, radicado na Alemanha, autor do livro Memórias de um Rebelde. Quando lhe pedi fotografias do Seminário de Zóbuè, ele se dispôs a fazê-lo.

    O meu grande agradecimento vai para o Dr. Eric Morier-Genoud por me fornecer vários documentos, pelo seu apoio intelectual, e pelos comentários valiosos que fez depois de ler o meu manuscrito. Meus agradecimentos também vão para o João Cabrita, autor de Mozambique: The Tortuous Road to Democracy, pelo seu encorajamento, por me ter fornecido vários documentos da sua coleção, bem como pelos comentários que fez depois de ler o meu manuscrito.

    Estou muito grato aos meus dois grandes amigos de infância, Abel Gabriel Mabunda e Marcos Fortuna Muledzera, pelo seu encorajamento e por terem me fornecido críticas construtivas e comentários valiosos sobre vários aspectos. Os meus agradecimentos vão também para Pita Dola, da Missão de Murraça, que foi muito útil na recolha de material indispensável na sua zona de origem. Estou igualmente grato aos familiares do Padre Gwenjere e aos outros murraçenses que me deram o seu tempo e histórias.

    Meu agradecimento muito especial vai para a minha família, especialmente para a minha esposa, Mónica, e para as minhas três filhas – Kelia, Tchiva e Chenice – pelo seu encorajamento, apoio contínuo, e amor durante o período em que andei a escrever este livro.

    Table of Contents

    Biografia

    A Cura De Memórias

    Introdução

    Part I Origens E Educação

    1. Ascendência familiar

    2. Igreja Católica Ao Longo Do Vale Do Zambeze

    3. A Vida No Seminário

    Part II A Igreja Católica

    4. Duas Igrejas Católicas

    5. Relações Igreja Católica-Estado

    6. Os Missionários Da África

    7. Padre Charles Pollet

    8. Como Sacerdote Em Murraça

    9. A Missão Profética Da Igreja Católica

    Part III Ligações Com Frelimo

    10. Ligações Com Frelimo

    11. Chegada À Tanzânia E Depoimento Na Onu

    Part IV Crises Na Frelimo

    12. Confrontado Com Realidade

    13. Continuação De Rivalidades

    14. Crise No Instituto Moçambicano

    15. Desentendimento Com Mondlane

    16. Tácticas Para Combater Dissidentes

    17. Frelimo: Depois De Gwenjere

    Part V Apelo À Reconciliação

    18. Sequestro E Detenção

    19. Apelo À Reconciliação

    Bibliography

    Notas Finais

    Annexure

    Anexos

    ANEXO 1 Carta de Gwenjere ao Bispo da Beira, Dom De Resende

    ANEXO 2 Testemunho do Padre Gwenjere na Assembléia Geral da ONU

    ANEXO 3 Mondlane sobre Causas das Dificuldades no I. Moçambicano

    ANEXO 4 Alunos que beneficiaram da assistência do Padre Pollet

    Lista De Abreviações

    Prefácio

    (Traduzido do inglês)

    O testemunho do Padre Michael Lapsley, que aparece no início deste livro apresenta-nos as suas experiências que são relevantes para nós hoje: as suas percepções como sacerdote sul-africano envolvido no movimento de libertação, bem como o seu trabalho actual como um curador de memórias na actual Africa do Sul e em muitos outros países afectados pela violência política e conflitos.

    Michael Lapsley é um padre anglicano nascido na Nova Zelândia, que chegou à África do Sul em 1973, no auge da repressão do apartheid. Pelas injustiças que encontrou no país, ele posicionou-se em defesa de alunos que eram detidos, torturados e assassinados pelo regime do apartheid. Ele foi expulso da África do Sul em 1976, tendo ido morar no Lesoto.

    No Lesoto, tornou-se membro do Congresso Nacional Africano (ANC) assim como seu capelão no exílio. Durante este período, viajou por todo o mundo, mobilizando comunidades da fé para apoiarem a luta de libertação e oporem-se ao regime do apartheid, que abusava da fé cristã para justificar a opressão interna.

    Em 1982, após uma incursão policial na capital do Lesoto, Maseru, na qual muitas pessoas morreram, o Padre Lapsley mudou-se para zimbabué onde, em 1990, três meses após a libertação de Nelson Mandela da prisão, o Departamento de Cooperação Civil, uma unidade secreta das forças de segurança do apartheid, lhe enviou uma carta-bomba escondida dentro de duas revistas religiosas. Ele foi gravemente ferido na explosão, perdendo as duas mãos e a visão do seu olho esquerdo.

    O Padre Lapsley lutou para voltar à vida e, depois de um longo tratamento médico; foi para a Cidade do Cabo onde trabalhou em apoio à Comissão de Verdade e Reconciliação (TRC) da África do Sul. O seu trabalho levou ao estabelecimento do Instituto de Cura de Memórias (Institute for Healing of Memories – IHOM) em 1998.

    O IHOM permitiu que muitos sul-africanos contassem as suas histórias e traumas. Este Instituto tem realizado workshops em todo o mundo nas regiões afectadas por conflitos não resolvidos. Como as cicatrizes do passado continuam a moldar as atitudes das pessoas, o seu trabalho continua a ser importante não apenas na África do Sul, mas também em muitos outros países em conflito.

    Josef Pampalk

    Viena, Áustria

    A Cura De Memórias

    (THE HEALING OF MEMORIES)

    Testemunho do Padre Michael Lapsley SSM

    (traduzido do inglês)

    No dia em que cheguei à África do Sul deixei de ser um ser humano. Tornei-me um homem branco. Cada aspecto da minha vida foi decidido pela cor da minha pele e não pela minha humanidade comum... a casa de banho que eu poderia usar, o restaurante que eu poderia frequentar, o bairro onde eu poderia residir, a universidade onde eu poderia estudar e...e... e...

    Para mim, unir-me à luta de libertação foi querer recuperar a minha própria humanidade em solidariedade com os negros que lutavam pelos seus direitos humanos básicos. Também percebi que um profeta individual não acabaria com o apartheid e nem ameaçaria a sobrevivência do regime. O que ameaçou o regime foi a acção disciplinada de muitos que actuaram em conjunto para trazer o fim do apartheid.

    Eu também distinguiria entre a escolha de um padre se juntar a um movimento de libertação nacional em vez de se juntar a um partido político. Além disso, no contexto sul-africano, a luta foi igualmente uma luta teológica porque o estado do apartheid justificava-se teologicamente. Mesmo na última constituição branca, o regime reivindicava orientação divina. Concluí também que os objectivos do ANC (Congresso Nacional Africano) de estabelecer uma sociedade democrática não racista e não sexista eram consistentes com os valores do Evangelho.

    O meu calcanhar de Aquiles era de que eu era um pacifista comprometido. Foi o assassinato de alunos em 1976 pela polícia que fez com que o meu pacifismo desmoronasse. Fiquei convencido de que, no nosso contexto e com a nossa história, a luta armada se tinha tornado moralmente legítima e justificável.

    Eu considerava o regime do apartheid como moralmente ilegítimo e o ANC como representante moralmente legítimo do povo da África do Sul. Ao tornar-me um membro do ANC, entendi que estava a assumir a cidadania na África do Sul, para a qual ainda estávamos lutando. Em Setembro de 1976, fui expulso da África do Sul e fui viver para Lesoto. Foi lá que me juntei ao ANC e fui capelão do movimento nos 16 anos que se seguiram.

    Durante vários anos antes disso, eu vivia com guardas armados na minha casa como consequência de estar numa lista de procurados do governo sul-africano. Embora por vezes eu sentisse medo, a minha oração era de que as minhas acções fossem determinadas pelas minhas crenças e convicções mais profundas, e não pelo meu medo.

    Quando a carta-bomba explodiu, eu soube imediatamente que o regime do apartheid me tinha apanhado. Mas também tive a sensação de que Deus estava comigo. A carta-bomba enviada para mim deveria ter-me matado, mas eu estava vivo. Eles perderam e eu ganhei...Durante o resto da minha vida fui-me apropriando dessa vitória.

    Através das orações e do amor das pessoas no mundo, percebi que, se estivesse cheio de ódio e amargura e desejo de vingança, seria vítima para sempre. Eles não teriam conseguido matar o corpo, mas teriam matado a alma. Todavia, perder as mãos é como perder um ente querido. Embora não estando muito preocupado com isto, a tristeza é uma parte permanente da minha vida.

    No nosso Instituto, concentramo-nos nos efeitos psicológicos, emocionais e espirituais do passado. No entanto, isso deve ser visto como complementar à acção política, social e económica. Como nação, enfrentamos desafios gigantescos de pobreza, desemprego, desigualdade e corrupção. Além disso, somos a sociedade mais desigual do mundo em termos de distribuição de riqueza. Neste contexto, não podemos estar em paz connosco mesmos.

    Existe igualmente muita evidência que sugere que ainda somos uma nação traumatizada. A Comissão da Verdade e Reconciliação (TRC) deu-nos uma vantagem gigantesca para o que precisa de ser uma jornada intergeracional de cura nacional. Uma vez terminada a Comissão, não assumimos suficientemente o trabalho da Comissão da Verdade e Reconciliação ... algo que é responsabilidade de todos os cidadãos e de todos os sectores da sociedade.

    Eu acho que existe uma consciência renovada na nação de que, na verdade, somos um povo serviciado e ferido. Esse reconhecimento cria novas possibilidades de cura. O Presidente Ramaphosa articulou de forma muito clara a ferida da nação, o que ajuda a colocar a cura da nação de volta na agenda nacional.

    Para curar, qualquer país precisa, antes de mais nada, de admitir que está ferido. A questão que todos nós precisamos de fazer em todos os contextos, é como o passado da nação nos afectou e nos infectou. A tentação é procurar enterrar e esquecer o passado, o que nunca funcionou em nenhum lugar do mundo. A evidência que existe é que as feridas não cicatrizadas do passado voltam a afectar-nos, seja como indivíduos, comunidades ou nações. Precisamos de nos lembrar do passado sem sermos prisioneiro do mesmo.

    Em diferentes partes do mundo, as pessoas frequentemente perguntam se precisam de uma Comissão da Verdade e Reconciliação. A grande questão é: como lidamos com o passado? É desejável que, tanto quanto possível, haja reconhecimento e um pedido de desculpas onde quer que a ordem moral tenha sido transgredida.

    Mas também, na medida do humanamente possível, toda a nação precisa de ter uma visão clara do que aconteceu no passado, em particular o que foi feito secretamente. Descobertas sobre o que realmente aconteceu muitas vezes continuam através das gerações, e mudam a forma como as pessoas vêem o que aconteceu e como se vêem uns aos outros.

    Embora não possa haver equivalência moral entre o colonialismo e aqueles que lutaram contra ele, isso não significa que os libertadores não transgrediram a ordem moral, mesmo enquanto lutavam pela liberdade. E, claro, houve novas feridas criadas desde a independência que precisam de cura.

    Quando se trata de lidar com o passado, é importante que possamos abordar não apenas a dimensão política, social e económica, mas também a psicológica, emocional e espiritual, da nação e dos indivíduos. Muitas vezes, o veneno não está no que pensamos sobre o passado, mas no que sentimos sobre o passado. Por essa razão, é importante que as pessoas sejam capazes de se expressar emocionalmente e percorrer uma jornada de desintoxicação.

    Curar uma nação de um passado de guerra e conflito é intergeracional. Temos que perguntar-nos o que podemos fazer na nossa geração. Em sociedades pós-conflito, muitas vezes há uma escalada de violência sexual e doméstica baseada em género. É importante para nós vermos a ligação entre o que aconteceu no espaço público e o que acontece no espaço privado.

    A cura de memórias também é sobre quebrar a cadeia que transforma vítimas em culpados. Ao olharmos para o espelho como nações e indivíduos, podemos confrontar-nos e iniciar jornadas de cura.

    Figura 1 Padre Michael Lapsley em Viena, Áustria, em 2015 – assinando o seu livro Redeeming the Past (Resgatando o Passado). Fonte: Dr. Josef Pampalk

    Institute for Healing of Memories

    Director Father Michael Lapsley SSM

    5 Eastry Rd

    Claremont, 7708

    Cape Town

    South Africa

    Tel: +27 21 6836231

    Cell: +27 82416 2766 or +1 3475856006 (USA)

    Website: www.healing-memories.org

    Introdução

    Durante a luta do povo moçambicano pela independência nacional, os combatentes da liberdade desperdiçaram muita energia lutando entre si em vez de lutarem contra o regime colonial português. Um ano depois da independência, Moçambique viveu uma longa e violenta guerra fratricida que trouxe um sofrimento incalculável ao povo moçambicano.

    As verdadeiras causas desses conflitos precisam de ser conhecidas para evitar que se repitam no futuro. Este livro retrata a história da vida do Padre Mateus Pinho Gwenjere. Estando a sua vida interligada com a Igreja Católica e com a luta pela independência nacional, o livro aborda igualmente esses dois assuntos. O meu principal objectivo ao escrever este livro é procurar trazer entendimento entre a família moçambicana, apelando para uma genuína reconciliação, a fim de garantir uma paz e estabilidade duradouras em Moçambique.

    Muito foi escrito sobre o padre Mateus Gwenjere. No entanto, a versão oficial da FRELIMO prevalece em quase todos os livros escritos. O seu papel é condenado por historiadores e até mesmo por académicos e intelectuais. Tantas foram as energias dedicadas a neutralizá-lo, que a sua verdadeira face permanece desconhecida.

    Cada vez que o seu nome é mencionado, é sempre no contexto das acusações da FRELIMO de que ele foi racista; um agente da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado); e responsável pela crise de 1968 no Instituto Moçambicano em Dar es Salaam, Tanzânia.

    Nenhuma dessas acusações é verdadeira, como será demonstrado neste livro. Tendo conhecido o Padre Gwenjere desde a sua ordenação em 1964, e contando-me entre os moçambicanos que testemunharam acontecimentos importantes na história do movimento da FRELIMO, tomo a iniciativa de contar a sua história e os acontecimentos ocorridos no movimento até aos anos setenta.

    Conheci o Padre Mateus Gwenjere em Setembro de 1964, quando, junto com outros seminaristas, regressava ao Seminário Menor de Zóbuè, na Província de Tete, depois das férias de final de ano lectivo na minha região, Manga, nos arredores da cidade da Beira.

    O comboio que embarcámos parou na Estação Ferroviária de Mutarara por um período fora do normal. De repente, deparamo-nos no nosso compartimento com um padre negro, trajando batina preta. Ele movimentava-se de um compartimento para outro, à procura de algo que havia perdido. Não tardou para que os dois jovens que haviam furtado a sua pasta fossem descobertos.

    O castigo que o padre aplicou pelo furto pareceu-nos deveras estranho: ele ordenou que o cabelo grande despenteado dos dois gatunos fosse rapado em plena estação. Enquanto isso, sob as suas ordens, o comboio ficou imobilizado, aguardando a consumação da pena, debaixo de uma árvore, perante risos e aplausos dos seminaristas que, como eu, regressavam ao Seminário findas as férias.

    Mais tarde, soubemos que, como nós, o destino do padre negro, era o Seminário de Zóbué. Chegados ao Seminário, a presença de outros dois padres negros tomou-nos de surpresa: Manuel Mucauro da diocese de Beira, e Domingos Ferrão da diocese de Tete.

    No dia seguinte, durante a missa, os recém-ordenados sacerdotes negros foram-nos apresentados pelo reitor do seminário, Padre Theodor Prein, que constantemente se referia a eles como meus filhos. Com muita razão, os três eram os seus primeiros seminaristas de Zóbuè a serem ordenados sacerdotes em 1964. A visita deles ao Seminário visava encorajar-nos, jovens seminaristas, a continuar abraçar a vida religiosa.

    Depois da missa, enquanto aguardávamos o pequeno almoço, cada um dos três padres viu-se rodeado de seminaristas provenientes das suas zonas de origem, procurando compreender as dificuldades pelas quais passaram até se terem tornado padres.

    Pertencendo eu à Missão de São Benedito de Manga, nos arredores da cidade da Beira, juntei-me ao grupo que envolvera o padre Manuel Mucauro. Mas as gargalhadas que vinham do grupo que rodeava o padre Gwenjere fizeram com que eu, e outros colegas meus, nos juntássemos àquele grupo. Para se aperceber da razão de tanta gargalhada, também se juntou ao grupo um padre branco, professor nosso no seminário.

    Dirigindo-se ao recém-chegado padre que ficou colado a ele, Gwenjere disse: Afasta, pá, vais-me picar com esse teu nariz comprido! Houve novamente muita risada. O padre Gwenjere tinha um elevado sentido de humor e dom de contar histórias e de fazer gente rir.

    Os nossos caminhos voltariam a cruzar-se uns quatro anos mais tarde no Instituto Moçambicano em Dar es Salaam, Tanzânia, onde eu era estudante em 1968. O Padre Gwenjere chegou à capital Tanzaniana em Setembro de 1967, tendo fugido do centro de Moçambique por causa das suas actividades anti-portuguesas. Eu cheguei àquela cidade no início de 1968 para prosseguir estudos no Instituto Moçambicano, após um período de treino militar no Campo de Treino Militar da FRELIMO em Nachingwea, no sul da Tanzânia. Em Nachingwea, eu pertencia à Segunda Companhia Especial de Mbeya, um grande grupo de seminaristas que fugiram do Seminário Menor de Zóbuè em 1967 para se juntarem à FRELIMO, em protesto pela expulsão dos Missionários da África que lá ensinavam.

    No Instituto Moçambicano, em Dar-es-Salaam, na Tanzânia, os estudantes, especialmente ex-seminaristas do Zóbuè, rodeavam o Padre Gwenjere para ouvir o que ele tinha a dizer, sempre que ele ia para lá depois das aulas. O padre nunca parava de falar, para o espanto e encanto de todos quantos o ouviam falar. Às vezes, alguns membros da administração do Instituto e professores também se juntavam ao grupo para ouvi-lo. Duvidando da boa intenção deles, o padre desatava a filosofar e a falar em parábolas. Compreendendo que a intenção do padre era de humilhá-los diante dos estudantes, acabavam sempre por se retirar.

    O Padre Gwenjere, que tinha grandes expectativas sobre o movimento de libertação da FRELIMO, foi confrontado com a realidade logo após a sua chegada à Tanzânia. O padre, que não conhecia a história dos conflitos internos e das lutas pelo poder na FRELIMO, aderiu ao movimento numa altura em que esta se encontrava em tumulto após o assassinato do Secretário de Defesa e Segurança da FRELIMO, Filipe Samuel Magaia, por um dos seus oficiais militares em 10 de Outubro de 1966.¹

    Os problemas que surgiram no rescaldo do assassinato de Magaia levaram o padre a questionar algumas políticas da FRELIMO, incluindo os maus-tratos e as execuções sumárias de combatentes da liberdade leais ao líder militar morto; a priorização da política de guerra prolongada²; a concentração do poder político-militar e de segurança em torno do grupo dos sulistas³; a nomeação de moçambicanos brancos de origem portuguesa como professores do Instituto Moçambicano; e a falta de convocação de qualquer congresso para resolver problemas internos. O Segundo Congresso da FRELIMO que, de acordo os estatutos, estava agendado para 1965, só viria a ser realizado em Julho de 1968 por insistência do Padre Gwenjere.

    Com a ousadia de Gwenjere, num período em que os militantes da FRELIMO temiam a liderança militar do movimento, que frequentemente recorria à força das armas para resolver as diferenças internas, o padre começou a ganhar o respeito e apoio de vários sectores, principalmente o apoio dos membros do Conselho de Anciãos (Baraza-la-Wazee)⁴, de estudantes do Instituto Moçambicano, de elementos descontentes do movimento, bem como dos membros do governo Tanzaniano e da imprensa local e estrangeira.

    O Presidente da FRELIMO, Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, que foi persuadido pelo Presidente da Tanzânia, Julius Nyerere, a deixar o seu emprego de professor na Universidade de Syracuse nos Estados Unidos para ajudar a unir e liderar os vários movimentos de libertação de Moçambique, não estava nada satisfeito com a interferência do Padre Gwenjere no andamento do movimento. Ele constantemente aproximava o líder tanzaniano, pedindo-o para expulsar o Padre Gwenjere da Tanzânia.

    No entanto, o padre Gwenjere estava protegido da deportação. O Presidente Julius Nyerere recusava-se terminantemente a expulsá-lo do seu país. Contudo, devido à falta de coordenação no grupo que se opunha à liderança de Mondlane, ele finalmente concordou em exilá-lo para a região de Tabora, no centro-oeste da Tanzânia, onde foi entregue às mãos do Arcebispo Mark Mihayo, da Arquidiocese de Tabora, para que se dedicasse exclusivamente às suas actividades religiosas.

    Três anos depois, os nossos destinos cruzar-se-iam novamente em Nairobi, no Quénia. No final de 1969, eu fugi do Campo de Refugiados de Rutamba na região de Lindi, no sudeste da Tanzânia, onde os estudantes do Instituto Moçambicano haviam sido banidos quando a direcção da FRELIMO encerrou o Instituto Moçambicano e expulsou os estudantes rebeldes do movimento. Em 1972, ao saber que a direcção da FRELIMO queria eliminá-lo fisicamente, o Padre Gwenjere também decidiu deixar Tabora para o Quénia, porto seguro de tantos moçambicanos que no exílio se viam forçados a fugir, não do inimigo comum, o colonialismo, mas dos outros combatentes pela liberdade.

    Em Nairobi, no Quénia, morávamos no mesmo bairro, Riruta-Satelite, em Kawangware, nos arredores da capital queniana, onde todos os domingos eu

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